Pintura e poesia portuguesa na passerelle da ModaLisboa
Da obra de Pires Vieira à de Sophia de Mello Breyner Andresen, a moda portuguesa bebeu as referências da cultura maior.
Os folhos apareceram não só em saias, mas também em camisas e vestidos. Houve calçado raso e os cabelos descontraídos das manequins sugeriam mergulhos no mar. Até as peças de corte mais clássico, como os blazers, surgiram em tecidos moles como o pónei, ganhando em tridimensionalidade.
O poema de Sophia, que começa com o verso "mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim", serviu de banda sonora: declamado repetidamente deu o ritmo ao desfile. A colecção de Baltazar para o Outono/Inverno 2014 foi assim uma interpretação do “universo pessoal e da poesia” de Sophia e, em especial, “da sua relação com o mar”, dez anos após a sua morte,explica o criador no press release de apresentação da sua colecção.
Numa edição da ModaLisboa em que o calendário de desfiles se alterou para assegurar casa cheia desde o princípio, Nuno Baltazar trouxe público e várias caras conhecidas ao Páteo da Galé, em Lisboa, em fim-de-semana de sol e calor. Na passerelle, a apresentadora de televisão Raquel Strada ganhou o estatuto de modelo e teve a honra de o fechar ao lado do próprio Baltazar.
Foi uma diferença da noite para o dia em relação a sexta-feira, quando a 42.ª edição da ModaLisboa arrancou com o desfile colectivo de oito jovens designers no âmbito do Sangue Novo, a plataforma de novos talentos. Sem a irreverência que se esperaria de quem quer deixar a sua marca, os criadores do Sangue Novo mostraram que querem entrar na moda pela porta do mercado.
Muitos acessórios - as peças mais vendáveis de qualquer colecção- , complementaram as propostas dos estreantes na forma de malas, mochilas, sacos e bolsas. E se as propostas para homem são habitualmente remetidas para segundo plano na moda, o trabalho de Nair Xavier e Patrick de Pádua no desfile Sangue Novo alteraram essa perspectiva. Ela com os sobretudos de forma arredondada que apresentou, como os pinguins que lhe serviram de inspiração, e ele com os casacos bomber a mostrar um novo visual urbano, deram algumas das alternativas mais modernas ao homem português.
Marcadas pelo universo do bondage, as jóias de cabeça e corpo de Valentim Quaresma deram mais destaque ao cabedal. Malhas de ferro, argolas e peças entre o espartilho e a armadura mostraram que o kinky pode ser tratado como alta-costura. Uma primeira incursão por um lado mais negro antes das bruxas de Alexandra Moura tomarem a passerelle de pós de perlimpimpim negro nos olhos e chapéus a desafiar as leis da gravidade. A silhueta alongou-se e, a par do calçado de índole prática, facilita a caminhada que a criadora propõe pelo Iémen, de onde retirou inspiração da tribo de Hadramaut.
Se a incursão de Alexandra Moura pelo étnico não é novidade, desta vez, foi acompanhada por uma maior aposta no sportswear. Camisolas ganharam estampados e padrões gráficos inspirados na obra do pintor português Pires Vieira que marcou a década de 1970. Como já havia acontecido no último desfile de Alexandra Moura, os chapéus foram peça essencial para a visualização do universo criativo da designer. Altos e desproporcionais, foram fruto do trabalho de Moura com José Simão, com quem criou também as pulseiras e colares em madeira e dobradiças a evocar a pastorícia.
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