O país em chamas
A crise e a violência na Ucrânia têm sido descritas como a consequência de uma luta de poder entre a União Europeia e a Rússia.
Não é verdade.
A crise e a violência na Ucrânia, cujo desfecho é imprevisível, são o resultado de uma luta de poder que a União Europeia não quis travar com a Rússia.
É uma história muito antiga.
Para ser aceite como candidata à adesão, a Ucrânia estava obrigada a fazer reformas que nunca quis fazer. A corrupção e o poder dos oligarcas sobrepõem-se a tudo.
A “revolução laranja” de há dez anos chegou demasiado tempo depois da queda do Muro de Berlim. Cansada, a Europa, acomodou-se: integrar a Ucrânia era demasiado caro e demasiado difícil.
Em política, o vazio não existe.
Perante o cansaço da Europa, que em política externa está cada vez mais parecida com um lar da terceira idade, a Rússia avançou.
A Ucrânia de Ianukovitch acreditou que poderia viver para sempre a jurar ao mesmo tempo fidelidade a Moscovo e a Bruxelas, sem se comprometer com nenhum dos lados.
Se não acreditasse na inércia de Bruxelas, Ianukovitch nunca teria recorrido à violência para retirar os manifestantes das ruas de Kiev. Se não acreditasse na inércia de Bruxelas e se não estivesse a ser financiado por Moscovo.
Se não tivessem compreendido que a Europa, quando muito, franzirá o sobrolho perante a perspectiva da integração da Ucrânia na União Eurasiática, através da qual o Presidente russo, Vladimir Putin, espera restabelecer a influência de Moscovo no espaço da antiga União Soviética, os manifestantes anti-Ianukovitch não teriam recorrido tão depressa à violência. Nem teriam sido tão permeáveis aos grupos extremistas, que respondem com violência à violência das autoridades.
O clima é de pré-guerra civil. Só há duas saídas possíveis. Ou a repressão consegue esmagar a revolta ou a revolta e a repressão desaguam numa guerra civil e, quem sabe, na partição da Ucrânia. As hipóteses de uma saída política são cada vez mais remotas.
A única coisa comum aos dois cenários é o banho de sangue. À hora a que foram escritas estas linhas, o número de mortos não parava de subir, as pessoas eram baleadas às claras nas ruas da capital.
As imagens da batalha de Kiev são estas: homens em chamas, cadáveres no chão, uma cidade esventrada. Um país sem esperança, uma vez mais capturado pela fractura geopolítica entre Ocidente e Oriente, como há séculos acontece. E cada vez mais longe da democracia.