Vítor Gaspar diz não ter "nenhuma competência" para avaliar os “processos mentais” de Paulo Portas
Numa entrevista à jornalista Maria João Avillez, publicada em livro, Vítor Gaspar reitera as razões que levaram à sua demissão e deixa inúmeros elogios a Passos Coelho.
A saga da TSU, cuja paternidade assume, é um dos episódios sobre a passagem pelo Governo que o antigo ministro descreve em “Vítor Gaspar por Maria João Avillez”, que está desde ontem nas livrarias e será apresentado pelo antigo comissário europeu, o socialista António Vitorino, na próxima terça-feira.
No livro – uma longa entrevista de vida que se estende por 400 páginas – Gaspar discorre sobre a sua passagem pelo Governo, desde o momento em que recebe um telefonema de António Borges, em nome do primeiro-ministro, até à saída, em Julho do ano passado.
Dois personagens dominam o relato destes anos de brasa: o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, que o actual consultor do Banco de Portugal elogia e o actual vice-primeiro-ministro, Paulo Portas.
No seu estilo peculiar, Gaspar nunca critica directamente o seu antigo parceiro de Governo, mas as pontas soltas que vai deixando cair deixam poucas dúvidas sobre as diferenças que separaram os dois ministros de Estado, desde o episódio da TSU até às demissões de ambos, a 1 e 2 de Julho de 2013.
“Tenho uma boa relação pessoal com Paulo Portas. Diferenças de julgamento político e de avaliação foram tornadas públicas por ele, naturalmente na sua própria perspectiva”, diz Vítor Gaspar, que faz também o elogio de Álvaro Santos Pereira, o antigo ministro da Economia, com quem Gaspar nega ter tido relações difíceis.
Sobre o comportamento de Portas na questão da TSU, o economista diz apenas: “Não vou fazer comentários sobre o que poderão ter sido as motivações ou os processos mentais do dr. Paulo Portas. Não tenho nenhuma competência na matéria”.
A TSU é um momento de recuo de Vítor Gaspar, que este relaciona com a manifestação de 15 de Setembro, cuja dimensão nenhum partido ou movimento conseguiu explorar, afirma. O ministro conta como a medida nasceu: “Ia num voo para Bruxelas, em Julho, a pensar nisso, ao lado da Maria Luís Albuquerque. Levámos a viagem toda a reflectir sobre isso e a discutir os fundamentos e os contornos da medida com algum detalhe”.
O pedido de demissão a Passos Coelho surgirá pouco tempo depois. Na entrevista, Gaspar justifica a saída com uma linha de argumentação idêntica à que usou na célebre carta de demissão: “Foi definido um objectivo político de grande importância e visibilidade [os limites quantitativos do programa de ajustamento]. O objectivo não foi atingido. O responsável político era o ministro das Finanças”.
Gaspar diz ter ficado “espantadíssimo” com o convite que recebeu para o Governo e ao longo do livro elogia inúmeras vezes o primeiro-ministro. “Pedro Passos Coelho tem a capacidade de manter uma grande calma perante situações que são objectivamente muito difíceis. Situações em que outros poderiam ser vítimas de estados de alma”.
As dificuldades que os vários chumbos dos juízes do Palácio Ratton implicaram para o Governo são tema para várias reflexões. Gaspar recorda a tarde de sábado em que ele e Passos Coelho vão a Belém, após um Conselho de Ministros extraordinário. “Admito que o país se tivesse preocupado. Mas as preocupações seriam muito maiores se o país tivesse sido confrontado com uma desistência.”
Sobre as melhorias dos indicadores económicos dos últimos meses, já após ter saído do Governo, Gaspar deixa este comentário: “Como se veio a saber mais tarde, a actividade económica em Portugal tinha já recuperado fortemente no segundo trimestre. Isto mostra que a política e as percepções em política são um jogo de grande subtileza”.