Milionário discreto doa fortuna à Orquestra Nacional de Washington

O Kennedy Center e uma instituição de caridade receberam mais de 30 milhões de euros

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O filantropo Richard A. Herman em 1934 DR
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O maestro Chistopher Eschenbache e o actor Morgan Freeman com a National Symphony na celebração dos 50 anos do Kennedy Center em 2011 Reuters

Richard A. Herman viveu em Watergate, em Washington, ao longo de 40 anos e durante muito tempo foi mecenas das artes, mas nos círculos sociais mais exclusivistas era um total desconhecido. Esta semana, tudo mudou: numa conferência de imprensa, uma instituição de caridade, a Family Matters of Greater Washington, anunciou que Herman deixou à organização 60 por cento do seu património – cerca de 21 milhões de euros, uma das maiores doações a uma organização local de caridade. Ao mesmo tempo, o Kennedy Center anunciou, terça-feira, que Herman deixou cerca de 12 milhões de euros à Orquestra Sinfónica Nacional e à Ópera Nacional de Washington – a maior doação alguma vez atribuída àquela instituição.

À medida que as notícias do gesto de generosidade foram sendo reveladas, também foram despontando as expressões de total surpresa, principalmente junto das comunidades filantrópicas, pelo facto de quase ninguém ter ouvido falar dele. Já havia contribuído para instituições de arte como a galeria Corcoran ou a Colecção Phillips, mas raramente aparecia nos eventos sociais.

“Não gostava de aparecer na coluna das ‘personalidades’”, disse a prima, Betsy Paull, de 62 anos. “Não era um bon-vivant. Gostava de gozar a vida, mas tinha um perfil discreto.” Betsy Paull, que o ajudou nos seus diversos assuntos nos últimos anos de vida, afirmou que ele atribuiu, em 1967, o primeiro cheque à Family Matters, uma organização sem fins lucrativos que ajuda mães adolescentes e famílias de adultos pobres. Por que é que alguém que nunca teve família escolheu atribuir uma larga soma de dinheiro a uma instituição dessas, permanecerá para sempre um mistério.

Os administradores de Family Matters não sabiam da extensão da doação antes de serem contactados pelas autoridades. “Comecei a chorar. Larguei o telefone e fiquei ajoelhada no chão do escritório durante alguns minutos”, confessou Tonya Jackson Smallwood, a presidente da instituição. “Chorei em parte porque ele havia morrido… e em parte também porque tinha consciência de que tinha deixado qualquer coisa de muito significativo.”

A doação, que é mais do dobro do orçamento anual da instituição (na ordem dos 9 milhões de euros), terá grande impacto nos esforços em ajudar os cidadãos mais necessitados, disse Smallwood. A instituição planeia agora criar um programa de artes para jovens e adultos em memória de Herman.

As ligações de Herman com a comunidade eram provavelmente mais profundas do que as dos grandes mecenas, mas o seu perfil como cidadão era consideralvemente mais discreto. Ao longo de mais de quatro décadas levou uma vida anónima, habitando uma casa com apenas dois quartos.

Nasceu em 1912 e formou-se em Arquitectura na Universidade da Pensilvânia, em 1938. Nunca exerceu a profissão, embora tenha trabalhado durante um curto período de tempo, mesmo sem necessitar, no Departamento de Guerra durante a II Guerra Mundial.

A fortuna, herdou-a do pai, Bernard, nascido em Washington, que morreu em 1952, e que fez fortuna na construção e manutenção dos caminhos-de-ferro. Desde então, Herman contentou-se em viver de forma modesta, deixando que a fortuna se avolumasse, dizem os familiares. Vestia quase sempre os mesmos fatos, viajava apenas algumas vezes durante o ano e nunca redecorava o seu apartamento. Não tinha luxos, excepto a predilecção por um Corvette, que, no entanto, passava a maior parte do tempo na garagem. Nunca casou e se alguma vez teve algum amor na sua vida, nunca o explicitou. “Gostava da sua vida tranquila, sem complicações familiares”, justificou Betsy Paull.

Passava a maior parte do tempo no teatro, ou a assistir a concertos de música clássica ou a espectáculos de ballet, no Kennedy Center, onde tinha um bilhete de assinatura para as temporadas de ópera e de música sinfónica. "Essa era uma grande parte da sua vida. Ele amava a música", disse Maya Weil, do Kennedy Center. "Não creio que exista aqui muita gente que o conheça muito bem. Era tímido, e a sua presença não se fazia sentir. Mas sabíamos que era um patrocinador da nossa instituição desde o início."

Nas últimas duas décadas da sua vida, as complicações de saúde impediam-no de assistir aos espectáculos com a mesma regularidade. Morreu aos 100 anos, sobrevivendo a alguns amigos e familiares que já tinham falecido. Quando morreu, a 13 de Novembro, não havia ninguém para convidar para a cerimónia fúnebre, disse Paull. Mas o seu legado irá beneficiar muitas famílias no futuro próximo.

Em Dezembro, a prima Betsy Paull, o seu pai, de 93 anos, e um pequeno grupo de amigos foram ao Kennedy Center, onde a Orquestra Sinfónica tocou Musique Funèbre de Witold Lutoslawski em memória de Richard A. Herman. Uma despedida serena e muito discreta, como ele desejaria, certamente. 
 
 
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

 
 
 
 
 

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