O panorama editorial português, na área da arquitectura, nunca foi produtivo. Os arquitectos escrevem pouco e quase sempre preferem publicar o trabalho de projecto (construído e não construído). Houve poucas excepções a esta regra. Arquitectos como Fernando Távora (1923-2005), Manuel Tainha (1922-2012), Nuno Teotónio Pereira (1922) e Nuno Portas (1934) podem de facto constituir uma excepção, já que produziram reflexões sobre o pensar e o fazer arquitectura. Vítor Figueiredo (1929-2004), ao contrário, não produziu trabalho escrito sobre a sua prática, mas as suas palavras foram agora compiladas em livro. Inevitavelmente em fragmentos, como o próprio título revela.
O mérito maior do livro, editado pela Circo de ideias e por Nuno Arenga, arquitecto e antigo colaborador de Vítor Figueiredo, consiste na tentativa de retirar de um conjunto de palestras, cronologicamente dispersas, uma comunicação das ideias que esclarecem a prática deste arquitecto. Mas esclarecem pouco, porque Vítor Figueiredo não abre esse caminho. Simultaneamente os editores não revelam o porquê da escollha de determinadas fontes (entrevistas, palestras) para construir esta montagem que se constrói a partir de alguns temas recorrentes.
De certo modo, Vítor Figueiredo posiciona-se no antípoda daquilo que Manuel Tainha defendia num texto intitulado O arquitecto deve saber falar daquilo que está a fazer. Vítor Figueiredo refere nas suas palestras as condicionantes, os acidentes de percurso, o gosto pela viagem, em especial pela planície alentejana, as comidas, as contradições da encomenda e os problemas da obra em construção. Será aí, nesse interstício de reflexões, ironias e aforismos, que reside a chave interpretativa para um percurso marcado por edifícios como ESAD nas Caldas da Rainha ou o Pólo da Mitra da Universidade de Évora, sobre o qual afirmou: “Sentimos todos que uma situação objectual, um belo objecto de arquitectura, muito bonito - isto é um pouco irónico, um pouco azedo - não teria lugar aqui” (p. 48). Ou: “Diria que na Mitra há uma luta contra a História” (p. 49).
As ideias mais recorrentes de Fragmentos de um Discurso centram-se na temática da relativa importância da arquitectura para o autor, uma forma de irrisão face ao discurso habitualmente iniciático e celebrativo dos arquitectos, e na valorização do diálogo entre arquitecto e a sua audiência (maioritariamente estudantes). Vítor Figueiredo aborda ainda recorrentemente a questão do tempo, ou da intemporalidade de uma obra, e posiciona-se contra uma arquitectura de tendência (aquilo a que chama de “moda”).
Existem poucas pistas sobre o seu método ou os interesses no âmbito da disciplina (geralmente é o cinema que é convocado, para estabelecer analogias ou fixar espaços, em particular as obras dw mestres como Antonioni, Ray, Visconti ou Welles): “O que é preciso saber é se é um espaço onde se pode chorar, se é estimulante ou se é exaltante, se é um espaço que permaneça e onde a gente está aconchegado” (p. 66).
Os fragmentos do discurso de Vítor Figueiredo são acompanhados por textos de arquitectos que com ele tiveram proximidade: Duarte Cabral de Mello, Gonçalo Byrne e Manuel Vicente abordam a obra do arquitecto a partir de uma estrutura de depoimento. A excepção é o texto de Jorge Spencer, o mais crítico e capaz de indagar sobre os processos de trabalho. Todos foram recuperados de uma publicação da Associação dos Arquitectos Portugueses, Percursos de Carreira, lançada na década de 90. Não existe por isso um texto de fundo, novo e capaz de construir uma síntese, sobre a obra de Vítor Figueiredo, capaz ainda de articular as contradições da obra e das palavras, mas também de esclarecer o leitor sobre a inestimável singularidade deste arquitecto. Essa será a maior fragilidade desta publicação.